Declaração Universal dos Direitos Humanos celebra 73 anos, enquanto o Brasil apenas sobrevive ao retrocesso de suas políticas sociais
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi proclamada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948, com o objetivo de garantir direitos sociais e liberdade a cada indivíduo, bem como para cada órgão da sociedade. À época, o documento foi aprovado por 48 países, dos 58 que eram membros da ONU. O Brasil estava entre os países signatários. Atualmente, a ONU possui 193 países-membros e todos se comprometeram a seguir as diretrizes recomendadas.
Embora não seja um documento com obrigatoriedade legal, a Constituição Brasileira de 1988 conta com várias destas recomendações em seus artigos. No Artigo 5º, por exemplo, seus diversos parágrafos são cobertos por temas como não-discriminação, liberdade, segurança, acesso à justiça, liberdade de ir e vir, propriedade, liberdade de consciência, livre expressão.
Ao longo da história, muitos são os processos de lutas, de pressão popular frente a governos vigentes, de reuniões entre representantes de diversos países, em busca da compreensão e aplicação dos direitos humanos. Tais ações têm como objetivo garantir a universalização destes direitos e evitar que haja um retrocesso social.
Entretanto, diferente do que a maioria da população esperava, a ideologia politica do governo brasileiro atual deixou de garantir parte dos direitos já alcançados. Como consequência, passamos por um período de estagnação e de retrocesso social, visíveis e já previstos pela sociedade civil organizada.
A quinta edição do Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Agenda 2030, que oferece um panorama da implementação dos 17 ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil, comprova que nenhuma meta tem avanço satisfatório: 82,8% das políticas nas áreas social, econômica e socioambiental estão em retrocesso, ameaçadas ou estagnadas.
A pandemia que nos acometeu nos últimos dois anos só acelerou este cenário. Também serviu para aumentar a desigualdade social e evidenciar a classe social priorizada pelo Governo. A necessária paralisação de atividades econômicas para contenção do coronavírus, sem as devidas medidas de proteção social para amparar trabalhadores e trabalhadoras, ampliou o desemprego e a miséria. Setores econômicos inteiros também foram impactados pela recusa governamental de efetivar medidas como um período de lockdown para não comprometer os lucros da sua base de apoio.
De acordo com o Relatório, em dezenove estados, a taxa de desemprego ficou acima da média nacional. A população mais jovem, menos escolarizada, feminina (16,4%) e negra (17,2% entre pretos e 15,8% entre pardos) é a mais afetada. O trabalho informal recuou de 41,1%, em 2019, para 38,7% em 2020 (39,9 milhões de pessoas).
As escolhas para o enfrentamento das crises políticas e econômicas do Brasil colocam a população mais pobre como fiadora de soluções que de forma equivocada seguem mantendo privilégios e o poder econômico dos mais ricos. Conforme apresenta o Relatório, em 2020 a extrema pobreza recrudesceu no país. O ano se encerrou com mais da metade da população (113 milhões) em situação de insegurança alimentar, 27 milhões em situação de extrema pobreza, com o aumento da inflação em 4,52%, a alta do preço dos alimentos de 14,09% em relação a 2019 e, para contrapor, 66 pessoas se tornaram bilionárias.
O índice de Gini, que mede a distribuição de renda, já havia aumentado de 0,6003 para 0,6279 entre os quartos trimestres de 2014 e 2019. Na pandemia, e média saltou e atingiu 0,640 no segundo trimestre de 2021, ficando acima de toda série histórica pré pandemia. Fonte: Pesquisa Desigualdade de Impactos Trabalhistas na Pandemia, FGV Social
REFORÇO DA EXCLUSÃO
O orçamento da Assistência Social aprovado para 2021 foi de cerca de R$1 bilhão, enquanto o mínimo necessário, aprovado pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), destinado ao custeio dos serviços e ações socioassistenciais, foi de cerca de 2,6 bilhões. Um corte de mais de 50%, quando mais se precisa de recursos para enfrentar os efeitos da pandemia do covid-19. Os impactos são duríssimos, principalmente aos mais vulneráveis.
A retirada de direitos básicos previstos na Constituição também se deu por meio da redução dos investimentos da União em saneamento básico e transporte público, do encolhimento dos programas de habitação de interesse social. Somou-se a continuidade de processos de remoções forçadas de pessoas em meio à pandemia, em descumprimento à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou sua interrupção.
A estagnação de outras políticas sociais de distribuição de renda, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), a redução das pensões e aumento dos requisitos para obtenção de aposentadorias, bem como o fim da gratuidade do transporte público para idosos, também impactam negativamente.
Importante ressaltar a manutenção da trajetória histórica de racismo e misoginia estruturais. Já antes da pandemia, a pobreza extrema afetava 33% das mulheres negras e 15% das brancas.
Mesmo em um contexto tão grave de pandemia, ficaram sem uso R$ 22,8 bilhões da dotação orçamentária autorizada em 2020 para o SUS; recurso que deveria ter aumentado o número de vacinas, kits de intubação, máscaras PFF2, leitos e outros insumos. A pandemia evidenciou o despreparo nacional para lidar com emergências de saúde, falta de transparência e de articulação entre o governo federal e os demais entes federativos, e a desestruturação do Programa Nacional de Imunização (PNI).
Por fim, vale destacar que diminuíram a transparência e circulação de informações públicas, com o aparelho estatal sendo usado contra pessoas que criticam o governo. O negacionismo e as fake News, difundidos pelas redes sociais e por autoridades públicas, ameaçam a tomada de decisões e as políticas públicas com base em dados e em evidências. Movimentos sociais foram enfraquecidos e perderam espaços nos quais exerciam participação e controle social.
O Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Agenda 2030 é uma realização do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, que é formado por 57 organizações e fóruns de todo o país. Nesta edição, foram analisadas todas as 169 metas definidas na Agenda 2030. Destas:
- 92 (ou 54,4%) estão em retrocesso;
- 27 (16%) estagnadas;
- 21 (12,4%) ameaçadas;
- 13 (7,7%) têm progresso insuficiente;
- 1 (0,6%) não se aplica à realidade brasileira.
- 15 metas (8,9%) não foram rankeadas por falta de dados.
O relatório também traz 127 recomendações para que o Brasil avance no cumprimento do que foi pactuado em 2015 na ONU.
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