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Ele veio morar entre nós”: Seminário Regional da CF 2026 aprofunda o debate sobre direito à moradia e justiça socioambiental no Sul do Brasil

  • comunicacao4012
  • 14 de nov.
  • 5 min de leitura

Por Luciane Udovic Bassegio, Grito dos Excluídos Continental


O Seminário Regional da Campanha da Fraternidade 2026 do Regional Sul 3 da CNBB, realizado em Porto Alegre, reuniu dioceses, pastorais, movimentos populares e entidades sociais para refletir sobre o tema “Fraternidade e Moradia” à luz do lema que ilumina toda a Campanha:

“Ele veio morar entre nós” (Jo 1,14).

O encontro, marcado por espiritualidade, denúncia, memória popular e compromisso político, aprofundou a crise habitacional no Brasil e apresentou alternativas concretas para a construção de cidades mais justas, inclusivas e sustentáveis.

 

🌿 Uma mística que nasce da vida e da dor do povo

A abertura trouxe a força do Evangelho de João, que recorda que o próprio Jesus “veio morar entre nós, mas não foi acolhido”. A ligação entre a rejeição de Jesus e a realidade das pessoas sem casa digna foi reforçada por cantos que fazem parte da história das periferias brasileiras — Saudosa Maloca, Casinha Branca e Era uma casa muito engraçada — convocando a memória coletiva das lutas por moradia.


A mística apresentou dados que expressam a gravidade da crise habitacional no país:

  • 6 milhões de pessoas sem moradia digna;

  • famílias vivendo sob viadutos;

  • 4,2 milhões em privação extrema;

  • 21 milhões sem renda suficiente para alimentação;

  • moradias precárias e falta de saneamento;

  • crescimento de imóveis vazios e da especulação imobiliária;

  • impactos das mudanças climáticas que ampliam o déficit habitacional.

O momento encerrou com o canto “Eu só peço a Deus”, reafirmando o compromisso com a justiça social.


🏡 “A casa é para a pessoa o que a pele é para o corpo” – Acolhida de Dom Itacir Brassiani

Na saudação inicial, Dom Itacir Brassiani , Bispo da Diocese de Santa Cruz e da Comissão para a Ação Sócio Transformadora da CNBB Sul3, destacou que a moradia é elemento fundamental da dignidade humana:

“A casa é para a pessoa aquilo que a pele é para o corpo: proteção e identidade.”

O bispo lembrou que a Igreja tem longa história ao lado das populações empobrecidas e agradeceu aos animadores da Campanha da Fraternidade.Pe. José Carlos Stoffel acolheu dioceses, pastorais e movimentos sociais presentes, reforçando a unidade da Igreja em torno da defesa do direito à moradia.


🏙️ O Brasil urbano e desigual

A primeira exposição foi conduzida por Evaniza Rodrigues, arquiteta urbanista, militante histórica da luta por moradia e integrante da Pastoral da Moradia. Sua fala relacionou diretamente o lema “Ele veio morar entre nós” à realidade de milhões de pessoas que não conseguem acessar seu direito básico de habitação.

Entre os principais pontos da exposição:

  • Moradia é direito, não mercadoria.

  • O solo urbano é tratado como ativo financeiro, e não como bem social.

  • 85% da população brasileira vive nas cidades, empurrada por desigualdades históricas.

  • Os territórios ocupados pelos pobres são “o que sobrou” da cidade: áreas de risco, fundos de vale, morros.

  • A população em situação de rua precisa da moradia como ponto de partida para reconstruir a cidadania.

  • 8,9 milhões vivem em áreas de risco – majoritariamente mulheres e população negra.

  • No Sul, 12% da população necessita de moradia, número agravado pelas enchentes recentes.

  • Cresce o número de imóveis vazios e o uso para aluguel de curta temporada.

  • Há necessidade de 468 mil novas moradias para novas populações

  • Mudanças climáticas e despejos ampliam o drama social.


Alternativas defendidas:

  • produção de moradias com participação comunitária;

  • luta jurídica contra despejos;

  • assistência técnica pública;

  • controle social e participação em fundos;

  • força dos movimentos populares como “poetas sociais”;

  • papel da Igreja como espaço de resistência e acolhimento.

Evaniza resumiu o desafio central:

“Precisamos parar de expulsar os pobres das cidades e enfrentar o modelo que produz desigualdade.”

 

🗺️ Planejar cidades é defender a vida

A segunda palestra, de Clarice Misoczky, professora e pesquisadora do PROPUR/UFRGS, trouxe uma análise profunda sobre os Planos Populares de Ação Regional e o planejamento urbano.

Clarice enfatizou que:

  • o Estado tem retirado direitos e mantido práticas marcadas pelo racismo estrutural;

  • o neoliberalismo transforma cidadãos em clientes;

  • Planos Diretores precisam de participação real, não apenas formal;

  • a cidade vive um processo acelerado de financeirização;

  • imóveis vazios proliferam enquanto famílias buscam abrigo;

  • construções são erguidas sem infraestrutura adequada;

  • o direito à cidade só existe quando as pessoas ocupam e participam dos processos decisórios.


A professora relatou ainda sua experiência durante as enchentes, quando mapeou imóveis vazios que poderiam ser utilizados para reassentamentos emergenciais:

“A crise habitacional exige múltiplas respostas. Não há solução única, e todas precisam incluir as comunidades.”


🔎 Plenária: perguntas que provocam, sonhos que movem

A plenária reuniu perguntas e análises importantes:

  • Quem vai morar nos próximos empreendimentos habitacionais?

  • Como enfrentar a criminalização das ocupações?

  • As enchentes são apenas tragédias naturais ou resultado de omissão do Estado?

  • Como trazer as periferias para o centro das decisões?

  • Como pensar cidades tão diversas como Porto Alegre, a Região Metropolitana, os Pampas?

  • Onde estão os Conselhos de Habitação?

  • Como incluir o déficit habitacional rural nas estatísticas?

  • De que forma garantir controle social real?


🌾🏘️ Depoimentos populares: resistir é construir

A rodada de testemunhos trouxe a força da vida real:

  • comunidades rurais que transformaram áreas degradadas em territórios produtivos;

  • famílias que migraram do campo para a cidade em busca de sobrevivência;

  • a Igreja acolhendo ocupações em momentos de perseguição;

  • mulheres que chegam às ocupações fugindo da violência;

  • o renascimento do Programa Minha Casa Minha Vida e a importância do Minha Casa Minha Vida Entidades;

  • hortas comunitárias, energia solar e autogestão;

  • ocupações como gesto profético diante da especulação imobiliária.

  • importância de trabalho e renda para reconstrução da vida da população de rua.


🛠️ Propostas para seguir a caminhada

A etapa final do Seminário apontou a necessidade de transformar a reflexão em ação contínua. As falas convergiram para a importância de mapear e compreender cada território, identificando vulnerabilidades e potencialidades locais, para que a incidência política seja mais eficaz.

Surgiu com força o chamado para fortalecer redes de solidariedade, envolvendo pastorais sociais, movimentos populares, comunidades e lideranças, promovendo formação sobre políticas públicas e ampliando a compreensão do direito à moradia como dever do Estado e conquista do povo organizado.

A Igreja foi convocada a viver uma postura mais ousada, verdadeiramente “em saída”, dialogando com a sociedade, enfrentando a criminalização dos movimentos sociais e iluminando o debate público com o Evangelho e com a defesa dos pobres, reconhecendo as ocupações como expressão legítima de luta por direitos.

As propostas destacaram ainda o protagonismo de famílias, adolescentes e jovens na construção das ações, a necessidade de fortalecer projetos sociais, e a importância de levar a educação sobre políticas públicas às escolas, comunidades e espaços de convivência.

Por fim, ficou evidente que a Campanha da Fraternidade não pode terminar na Quaresma. O compromisso com o direito à moradia precisa se tornar caminhada permanente: de organização, mobilização, cuidado comunitário, formação e incidência política.


✝️ Encerramento: a bênção das casas e o envio missionário

A comunidade de Canoas conduziu a mística final com o Evangelho de Mateus:

“O Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça.” (Mt 8,20)

Pequenas casas artesanais, feitas por mulheres de uma ocupação, foram abençoadas junto com Dom Itacir, símbolo da esperança por um lar para todos. A bênção com água aspergida enviou cada participante para seguir construindo, na vida real, a Campanha da Fraternidade 2026.


 
 
 

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